
Sócrates em atuação pelo Timão / Imagem: Irmo Celso
Eu tinha ingresso para o jogo contra o Palmeiras que poderia decretar o título corintiano. Comprei os ingressos com muita antecedência porque Roberta só sossegava se eu provasse que já tínhamos as entradas. Mas naquele 4 de dezembro de 2011, quando acordei decidi que não iria ao jogo. Não achava que teria força para carregar meu corpo até o Pacaembu sem ela ao meu lado.
Um mês antes, Roberta tinha partido vítima de um acidente de trânsito. Foi embora assim do nada, numa sexta à tardinha, voltando de mais uma corrida no parque. Então, naquele domingo pela manhã eu, que não dormia desde o acidente que a tirou daqui, decidi que não iria ao estádio e nem veria o jogo. Eu não achava que pudesse segurar o tranco, pensei.
Mas aí minha amiga Paola me ligou e disse que eu iria sim ao jogo. Que eu iria me misturar aos meus e às minhas, que iria celebrar Roberta e tudo o que Roberta mais amou nessa vida, o time do Corinthians - ou, como ela gostava de dizer, o meu Timão. Sempre que ela dizia "meu Timão" eu pensava que ela falava aquele "meu" com tanto afinco que dentro dela havia um ambiente no qual ela de fato acreditava que aquele Timão era dela e de mais ninguém.
Roberta tinha com o Corinthians uma relação de amor, de entrega, de ternura e de afeto que não pode ser explicada e que, mesmo sem ser explicada, é perfeitamente entendida por qualquer pessoa que ame uma camisa de futebol ao passo que, qualquer um que não ame, vai sempre rotular esse amor de doença, insanidade, exagero, distorção, transtorno. Pois é: somos os transtornados, os insanos, os adoentados e o que nos salva é encontrar outros como a gente.
Em cacos, lá fui eu para o Pacaembu naquele 4 de dezembro de 2011. Me arrastei até o lugar onde ficávamos juntas nas cadeiras e chorei um choro que talvez tenha durado muitos meses. Quando os times se alinharam no círculo central e os corintianos ergueram o punho para homenagear o doutor eu parei de chorar. Ergui o meu também e olhei para o céu. Para onde vão os que partem? Onde estaria minha amiga, minha ex-mulher, meu Google antes de o Google existir? A pessoa que mais entendia de futebol que conheci, o ser humano mais alegre que já passou por essas bandas?
Uma certeza eu tive: se a vida não acaba com a morte, então naquele instante Roberta estava ali. Ao lado do seu maior ídolo, vendo o jogo de uma dimensão na qual as coisas façam mais sentido. E foi naquele momento que senti uma coisa que levei dez anos para compreender, e que só compreendi em palavras depois de escutar Mario Marra falando do título brasileiro do seu Galo: gritar Timão é muito mais gostoso do que gritar "É campeão".
Por isso, todas as vezes que o Corinthians entra em campo eu sei exatamente onde ela está. Isso me acalma e me faz sorrir. É muito maior do que a vida por ser também maior do que a morte.