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Como Zico me ensinou a sofrer

UOL

03 Março 2022

Zico 10 / Imagem: Reprodução/Instagram @zico

O título desse texto poderia ser "as muitas facetas de um ídolo". No futebol, ídolos, quase sempre, vestem a camisa do nosso time. Mas às vezes, na calada da noite, eles aparecem para a gente usando o símbolo do rival. Normalmente a gente demora a entender e, mesmo quando entende essa contradição, tendemos a não revelar nem mesmo ao terapeuta tamanha esquisitice. Eu demorei anos para entender o que sentia por Zico, o aniversariante de hoje.

Fui uma criança que passou parte da infância frequentando o Maracanã ao lado de meu pai. Íamos ver o Fluminense sempre que podíamos. Eram o final dos anos 70 e, quando o jogo era contra o Flamengo, raramente a gente voltava da nossa aventura sem estarmos dilacerados. Éramos triturados pelo time de Zico e eu, ainda pequena, me acabava de chorar. Lembro que, em casa, minha mãe não entendia por que tanto sofrimento. Mas meu pai sim e, juntos, sofríamos.

Sofrer de mãos dadas com outra pessoa é sempre uma experiência menos humilhante. Mas a humilhação, cedo ou tarde, batia porque havia flamenguistas na família e os encontros eram inevitáveis. O diabo da humilhação é que ela esconde sentimentos mais nobres. O que eu sentia, afinal, vendo Zico jogar? Quanto do que ele fazia com uma bola nos pés - e a rigor também sem ela - fez parte do meu processo de apaixonamento por esse esporte?

Zico foi, talvez, o maior que já vi jogar num estádio. Quando vestia a camisa da seleção, ele deixava as coisas mais evidentes em relação ao que eu sentia por ele. Era um feiticeiro, um encantador de espaços, um mago do toque na bola. Vendo Zico em campo eu percebia as muitas dimensões do jogo e, ao fazer isso, ia construindo meu amor e respeito pelo futebol.

E não tem como entender esse jogo sem perceber que ele nos ensina a sofrer. Tem lição mais importante na vida do que aprender a encarar nossas tristezas de frente? Talvez não porque é isso o que nos dá força e estrutura para seguir na luta.

Zico já me fez chorar muito e eu tive a chance de dizer isso a ele quando o encontrei em uma Ponte Aérea. Ele certamente não lembra, mas eu fui cumprimentá-lo para dizer que, durante anos, eu detestei amá-lo.

Então, meu caro Zico, obrigada por tudo. Aquela criança que você tanto entristeceu entende hoje que parte do amor que ela tem pelo jogo, foi oferecida por você. Isso dito: feliz aniversário, Galinho.

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