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Zico ou Ronaldinho Gaúcho? Não há resposta certa para perguntas erradas

UOL

16 Junho 2023

Zico 10 / Imagem: Reprodução/Instagram @zico

Somos encorajados e encorajadas a escolher os melhores e piores entre nós.

Esportes realçam essas categorias e disputas.

Claro que é legítimo que haja vencedores e derrotados e essa é justamente uma das maiores lições que as competições deixam: a de saber perder e de, apesar da dor, voltar.

Tendemos a achar melhores aqueles que venceram taças e medalhas do que aqueles que, embora muito bons no que fazem ou fizeram, não foram chancelados com o lugar mais alto no pódio.

Na dúvida entre quem é melhor, vamos correndo ver quantas conquistas eles têm e decidimos que quem mais venceu melhor é.

Sob essa chave, Ronaldinho Gaúcho, que tem o maior título do futebol, seria melhor do que Zico, que não conquistou uma Copa do Mundo.

Quero oferecer aqui um argumento alternativo.

Nunca torci para o Flamengo. Nem por dois segundos.

Ou, para ser honesta, talvez apenas por dois segundos.

Quando tinha três anos, fui flagrada por meu pai tricolor cantando o hino do Flamengo enquanto chutava uma pequena bola na parede do corredor de nosso apartamento em Laranjeiras.

A expressão de profunda tristeza em seu rosto tenho comigo até hoje.

Meu pai não disse nada, apenas me deu um beijo na cabeça e entrou no quarto.

No dia seguinte, voltou para casa com uma chuteira novinha (um kichute) e o uniforme completo do Fluminense. No fim de semana, estávamos ele e eu no Maracanã torcendo para o Fluzão.

Iniciamos assim uma rotina de idas ao Maraca.

Fui uma dessas crianças que viu Zico em campo. Vi Zico fazer gol de falta, dar chapéu, lançar, destroçar, humilhar.

Vi Zico levantar a massa, cantar com a massa, terreirizar aquele estádio.

Vi Zico fazer meu pai chorar.

Por isso, odiei Zico com toda a imaturidade que minha infância permitia.

E tive a oportunidade de poder torcer para ele quando vestiu a 10 da seleção.

Aqueles times de Telê Santana me fizeram amar ainda mais o futebol.

Nele, Zico era meu.

Assim como todos os demais encantadores da bola, a despeito do clube que defendessem, eram meus.

Entendi ali que havia muito mais camadas no futebol do que vencer, vencer, vencer.

Vi, absolutamente em transe, a forma como a seleção jogava. Como me fazia sentir. O que me fazia sentir. O orgulho que aquele jeito de existir em campo me dava.

Compreendi que o jogo era o que era porque falava de relações e não necessariamente de taças.

Relações em campo e relações na arquibancada. Relações do campo com a arquibancada.

Relações que temos com a alegria e com o sofrimento. Relações de vida e de morte.

Zico fez mais pelo futebol do que dezenas de Gaúchos poderão fazer.

E considero Ronaldinho um mago, um dos maiores e melhores que já vi jogar.

Mas se futebol fosse só isso ele não nos arrebataria como arrebata. Seria apenas mais um jogo, mais um esporte, mais uma competição.

Entendo que os argumentos que usei até aqui são da ordem da emoção mais do que da razão e por isso acrescento o pensamento sempre preciso e original de Walter Casagrande, que não contente em ser um dos maiores atacantes do nosso futebol depois se transformou no melhor comentarista e analista desse jogo.

Lendo meu texto, Casão disse que comentou com seu filho que Zico esteve no auge por 10 anos (entre 1975 e 1985) e que ficaria ainda mais tempo se não tomasse uma entrada criminosa em campo que o afastaria do jogo e limitaria suas capacidades, enquanto Ronaldinho se manteve no auge por cinco anos.

Casão tem razão (vou fazer uma camiseta com essa frase).

Assim, tudo posto, para mim o time da Democracia Corintiana é maior do que o City de Guardiola.

E as seleções de Telê muito maiores do que qualquer outra que tenha vencido uma Copa.

E, nessa chave, prevejo que o Palmeiras de Abel, que combina uma usina que faz circular afetos poderosos com títulos cobiçados, vai ser considerado um dos maiores times da história.

Meu colega André Hernan, com quem trabalhei no Sportv, é outro desses craques que vi em campo, dessa vez à beira do gramado.

Craque no jornalismo, craque na educação, craque nos conhecimentos, na decência e na vida.

Aliás, recomendo fortemente a entrevista em vídeo que Hernan recentemente fez com Fernando Diniz.

Mas voltemos.

André acha Ronaldinho melhor.

Ele e eu, portanto, discordamos nesse específico assunto, mas concordamos em muitos outros.

Não existe resposta certa para perguntas erradas.

Não há como cravar que quem considera Gaúcho melhor do que Zico está com a razão, ou vice-versa. São apenas opiniões e uma está tão certa quanto a outra.

Estamos perdendo a capacidade de enxergar graduações.

É uma pena porque quem só percebe preto ou branco jamais enxergará o arco-íris.

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