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A imensa ingenuidade desse ser humano que se identifica como torcedor

UOL

09 Agosto 2022

Criança joga bola em escolinha de futebol do Corinthians, em São Paulo / Imagem: Marcio Fernandes/Folha Imagem

Tudo leva a crer que o Flamengo não apenas se classificará à semi da Libertadores como o fará vencendo duas vezes o Corinthians.

Tem o melhor time, está na melhor fase, joga em casa diante de 60 mil fãs endiabrados, já está ganhando essa decisão por dois a zero.

Acabo de ver uma estatística que diz que o Corinthians tem pouco mais de 3% de chance de levar a partida para os penaltis. Ou seja: acabou.

Mas a verdade é que eu sempre acho curioso falar em termos estatísticos no futebol porque tudo o que temos para fazer cálculos é o que sabemos hoje, esse corte seco na realidade que não contempla o imprevisível, o absurdo, o sobrenatural.

Faz sentido olhar o jogo pelas lentes dos números? Não pra mim, mas acredito que muitos discordam.

Eu prefiro deixar dados e realidade de lado e me entregar à ingenuidade que só os sonhos mais impossíveis contém.

Acordei imaginando os mais variados lances durante o jogo em que o Corinthians faria dois ou mais gols.

Refiz as jogadas em minha cabeça, custei a sair da cama entregue a esse devaneio.

Uma voz então me despertou. Ela me dizia para parar de sonhar e ir trabalhar.

Exigia que eu deixasse de ser uma criança ridícula e voltasse a ser uma mulher adulta.

Mas aí lembrei de Vladimir Safatle, de um trecho do maravilhoso O Circuito dos Afetos, (ah, como eu queria que Safatle fosse corintiano, mas o mais provável é que ele nem de futebol goste e fique abismado com o uso de sua filosofia para fins futebolísticos).

"O impossível é o lugar para onde não cansamos de andar, mais de uma vez, quando queremos mudar de situação. Tudo o que realmente amamos foi um dia impossível."

É muito pouco o que sabemos hoje para determinar o que é possível e o que é impossível.

Fazemos questão de nos amparar em dados, números, estatísticas para, assim, buscarmos algum conforto, mas "há momentos em que os corpos precisam se quebrar, se decompor, ser despossuídos para que novos circuitos de afetos apareçam" (Safatle).

Verdade.

Um jogo como esse de terça-feira 9 de agosto entre os clubes mais populares do Brasil tem a capacidade de nos decompor, despossuir e, assim, construir novos circuitos de afetos.

Hoje, pularemos no vazio.

Hoje, seremos desfigurados e desfiguradas porque, ingenuamente, acreditaremos no impossível.

Quem gosta de futebol sabe que será "só mais um gratuito e impossível salto no vazio em uma rua de subúrbio" (ainda Safatle, agora se referindo à obra de Yves Klein).

Meu eu maduro garante que o Flamengo sobrará na partida de logo mais.

Mas meu eu criança insiste em dizer: vai dar.

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